É impossível falar de Aquarius, sem contextualizar com o
cenário político-social e toda a polêmica que o filme vem causando nos jornais,
redes sociais e nas conversas de bares. O filme começou a ter os holofotes virados
para si durante sua participação no Festival de Cannes desse ano, quando a
equipe do longa-metragem protestou contra a ilegitimidade do atual governo
brasileiro. O ato logo ganhou uma repercussão em toda mídia e também serviu
como marketing não proposital, atiçando a curiosidade e ansiedade dos
espectadores em relação à obra.
O governo e aliados desaprovaram a
atitude promovida pela equipe do filme e rebateu fortemente o ato. A resposta
veio com a classificação etária do filme, o Ministério da Cultura classificou o
mesmo com a censura de 18 anos. Outro GOLPE, sofrido pelo longa, foi a não
nomeação do mesmo como representante brasileiro a uma indicação ao Oscar,
contrariando a expectativa da crítica, da equipe e dos espectadores.
Falando agora da obra em si, Aquarius é um filme necessário para o
cenário político que o Brasil vive. O
longa conta a história de Clara (Sonia Braga), uma moradora do Edifício Aquarius, localizado
na Av. Boa Viagem, na cidade do Recife. Vemos um pouco da rotina da
proprietária do imóvel, se relacionando com o bairro em que vive e com seu
próprio lar. Ao decorrer do filme, Clara, começa a receber propostas de uma
construtora mobiliaria que deseja construir um novo prédio de luxo, no local
onde vive o apartamento que dá nome ao filme. A protagonista recebe diversos
tipos de assédios para que aceite vender seu imóvel para a construtora.
Kleber Mendonça Filho, tenta
explorar um conceito que podemos chamar de “ultra-realismo”, termo inspirado no
filme Birdman, mostrando cenas um tanto, peculiares demais, como mostrar a
fralda suja do bebê e o casal transando na Praia de Boa Viagem. Outra cena que
merece ser comentada, que existem diversas simbologias, é quando a personagem
Clara, junto a diversas pessoas, possivelmente moradoras dos edifícios de luxo
daquele bairro, fazem uma espécie de dinâmica de grupo, na praia, a qual todos
estão deitados, um em cima do outro, dando gargalhadas. Em seguida vemos um
grupo de 4 a 5 jovens negros, com
roupas, cortes e cores de cabelos típicos de moradores da periferia.
Nesse momento, ouvi comentários de várias pessoas na sala de cinema dizendo:
“Fodeu”. Na hora pensei, vai acontecer um assalto ou arrastão, mas fui
surpreendido quando os jovens, simplesmente queriam participar da atividade.
Foi o instante em que questionei sobre onde o preconceito e o medo estão
instalados e instaurados em nossas cabeças?
Ainda sobre a cena anterior, reflito
sobre uma pergunta que muitas pessoas no Recife fazem: Afinal, a cidade é para
quem? É apenas para uma pequena parcela da sociedade privilegiada ou todos têm
direito a acesso aos bens de cultura e lazer? Será que todo mundo tem direito
de usufruir dos espaços públicos ou isso é um privilégio para poucos? Esse tipo
de questionamento faz jus a um dos temas principais do filme, que a especulação
imobiliária e a privatização do espaço público. Como por exemplo, nosso famoso
caso do Projeto Novo Recife.
Mais uma vez afirmo, Aquarius é um filme necessário em tempos
de Ocupe Estelita, Impeachment, Fora Temer e golpes. Além de uma obra
cinematográfica de extrema qualidade, o longa é mais do que um retrato do
Brasil, o longa é um retrato da nossa alma. Pois, assim como a personagem
Clara, depois de termos sofrido tantos cânceres, nós preferimos dar um do que
receber um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário