Desculpe o transtorno, mas precisamos falar sobre “Aquarius”.




É impossível falar de Aquarius, sem contextualizar com o cenário político-social e toda a polêmica que o filme vem causando nos jornais, redes sociais e nas conversas de bares.  O filme começou a ter os holofotes virados para si durante sua participação no Festival de Cannes desse ano, quando a equipe do longa-metragem protestou contra a ilegitimidade do atual governo brasileiro. O ato logo ganhou uma repercussão em toda mídia e também serviu como marketing não proposital, atiçando a curiosidade e ansiedade dos espectadores em relação à obra.


O governo e aliados desaprovaram a atitude promovida pela equipe do filme e rebateu fortemente o ato. A resposta veio com a classificação etária do filme, o Ministério da Cultura classificou o mesmo com a censura de 18 anos. Outro GOLPE, sofrido pelo longa, foi a não nomeação do mesmo como representante brasileiro a uma indicação ao Oscar, contrariando a expectativa da crítica, da equipe e dos espectadores.


Falando agora da obra em si, Aquarius é um filme necessário para o cenário político que o Brasil vive.  O longa conta a história de Clara (Sonia Braga), uma moradora do Edifício Aquarius, localizado na Av. Boa Viagem, na cidade do Recife. Vemos um pouco da rotina da proprietária do imóvel, se relacionando com o bairro em que vive e com seu próprio lar. Ao decorrer do filme, Clara, começa a receber propostas de uma construtora mobiliaria que deseja construir um novo prédio de luxo, no local onde vive o apartamento que dá nome ao filme. A protagonista recebe diversos tipos de assédios para que aceite vender seu imóvel para a construtora.


 A direção de arte do filme fez um trabalho magnífico ao reproduzir um Recife dos anos 80. O figurino, a maquiagem, penteados, automóveis e adereços de cena eram bem fieis a década correspondente. Outro ponto forte que precisa ser destacado é o qualidade da captura de som, feito pela equipe do longa, principalmente na cena do baile, no qual, o ambiente era composto por diversos ruídos e sons, como música ao vivo, burburinho das mesas e conversa entre os personagens. É preciso destacar muito esse ponto no filme, pois esta é uma deficiência técnica presente na maioria dos filmes brasileiros, a qual fica quase inaudível os diálogos nas cenas. Ainda no quesito sonoro, a trilha sonora é outro ponto alto de Aquarius, é impossível não se arrepiar em algumas passagens do filme, com um repertório musical bastante eclético e bem selecionado. A fotografia, apesar de não trazer nada inovador, com seu olhar simplório, retrata com certa poesia o Recife que o diretor que passar.  

Kleber Mendonça Filho, tenta explorar um conceito que podemos chamar de “ultra-realismo”, termo inspirado no filme Birdman, mostrando cenas um tanto, peculiares demais, como mostrar a fralda suja do bebê e o casal transando na Praia de Boa Viagem. Outra cena que merece ser comentada, que existem diversas simbologias, é quando a personagem Clara, junto a diversas pessoas, possivelmente moradoras dos edifícios de luxo daquele bairro, fazem uma espécie de dinâmica de grupo, na praia, a qual todos estão deitados, um em cima do outro, dando gargalhadas. Em seguida vemos um grupo de 4 a 5 jovens negros, com  roupas, cortes e cores de cabelos típicos de moradores da periferia. Nesse momento, ouvi comentários de várias pessoas na sala de cinema dizendo: “Fodeu”. Na hora pensei, vai acontecer um assalto ou arrastão, mas fui surpreendido quando os jovens, simplesmente queriam participar da atividade. Foi o instante em que questionei sobre onde o preconceito e o medo estão instalados e instaurados em nossas cabeças?

Ainda sobre a cena anterior, reflito sobre uma pergunta que muitas pessoas no Recife fazem: Afinal, a cidade é para quem? É apenas para uma pequena parcela da sociedade privilegiada ou todos têm direito a acesso aos bens de cultura e lazer? Será que todo mundo tem direito de usufruir dos espaços públicos ou isso é um privilégio para poucos? Esse tipo de questionamento faz jus a um dos temas principais do filme, que a especulação imobiliária e a privatização do espaço público. Como por exemplo, nosso famoso caso do Projeto Novo Recife.

Mais uma vez afirmo, Aquarius é um filme necessário em tempos de Ocupe Estelita, Impeachment, Fora Temer e golpes. Além de uma obra cinematográfica de extrema qualidade, o longa é mais do que um retrato do Brasil, o longa é um retrato da nossa alma. Pois, assim como a personagem Clara, depois de termos sofrido tantos cânceres, nós preferimos dar um do que receber um.



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